quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Chegou 2014! E dia 08/03 começa o ano do Ambiente Terapêutico Infantil Nascer do Sol!


Este é um texto de minha autoria (Julia Alface) feito especialmente para o site Roteiro Baby Curitiba, mas recomendo a todos ler com muito carinho!

                                      Uma Mãe Recém Nascida


Em meio a tantas possibilidades de temas para serem abordados neste espaço, resolvi começar  pelo começo de um começo,  pelo começo da relação de uma mãe com seu primeiro bebê, o primeiro filho, momento em que uma mulher inaugura o lugar (subjetivo) de ser mãe. Antes do primeiro filho(a) nascer nenhum aspecto da maternidade pôde ser de fato vivenciado como realidade cotidiana e praticamente tudo ainda está no plano das ideias, da imaginação e da fantasia. Até que… nasce o bebê! O tão esperado e muitas vezes desejado momento chegou! Agora o bebê é real. Sim, ainda muito envolto em nossas expectativas, em nossas perspectivas e tudo isto vai permeando e fazendo parte da construção desta nova relação. É nova porque apesar de já ter uma história pregressa de afetos e emoções  que vem desde antes da concepção e da gestação, é nesta hora que se inaugura uma nova relação, que é a relação real com o bebê.
E muitas são as nuances emocionais que fazem parte de todo o processo de construção desta nova relação e deste novo lugar, de ser mãe. Teremos muitas oportunidades para falar disto tudo, até porque este é um processo que nunca termina, assim como em todas as relações humanas, estamos sempre vivendo inúmeras transformações dentro delas, construindo e reconstruindo.
O que quero trazer neste momento é algo que há pouco tempo tenho visto tomar algum lugar mais público de debate, mas que considero ser de extrema importância dentro deste processo de construção da relação mãe-filho. Falaremos aqui do banho de realidade que a mulher “toma” quando se torna mãe pela primeira vez e que muitas vezes se choca de forma dolorosa com todos os ideais que foram vividos anteriormente, antes do bebê nascer.
O fato é que apesar de vivermos* maravilhas obsolutas e inúmeros sentimentos de plenitude ao nos tornarmos mãe, há também algo não tão sublime e prazeroso assim dentro desta experiência, e disto muito pouco se fala. Existe uma importante e unânime perda ao tornar-se mãe: perde-se temporariamente boa parte da vivência da nossa individualidade, do ser que  somos e que construímos em termos de identidade e que não está associado ao ser mãe. Momentos de viver nosso Eu que, por mais “bonzinho”  e saudável que seja o bebê, são temporariamente perdidos e deixam de ser  vividos pelo simples fato de não mais ser possível se desligar completamente de tudo o que nos rodeia para viver, por exemplo, um momento de intimidade consigo mesma. Claro que isto tem impactos muito diferentes para cada uma de nós, e depende da necessidade que cada uma tem de viver estes momentos, mas não há mulher que não sinta falta de poder ir ao banheiro sempre que sente vontade, de poder dormir quando está cansada, de parar tudo para assistir um programa que gosta, de programar uma saída com o marido, enfim, poderia citar muitos exemplos como estes que dizem de um certo domínio sobre a nossa própria vida e que se perdem durante os primeiros meses de vida de um filho.
Aí vocês podem dizer, mas muitas vezes nós não podemos sair, ver TV, dormir e ir ao banheiro quando queremos mesmo sem filhos. Sim, mas é inegável que a frequência destes impedimentos aumentam de forma nunca antes vivida e mesmo que nem seja tanto assim, já não é mais do mesmo jeito que se fazia e se vivia antes. E por mais que digam que todos os percalços da maternidade são deliciosos, valem a pena e etc. eu volto a dizer, há uma perda. E de alguma forma vamos ter que lidar com ela.
Apesar de podermos observar tudo isto quando nasce o segundo, terceiro, quarto filho, e assim por diante, dou ênfase no primeiro porque, em geral, com o primeiro filho além deste choque entre real e ideal, há uma surpresa, e esta surpresa negativa normalmente desestabiliza a mulher excessivamente e favorece o processo de culpa e auto-punição de forma mais acentuada do que nos outros pós partos, quando ela já conheceu e vivenciou as frustrações inerentes ao tornar-se mãe, e no fundo sabe que isto não diminui a alegria e o amor que também são intensamente vividos.
E porque a referida surpresa tem tanto poder de desestabilizar a relação? Num próximo momento abordarei isto com mais detalhes, mas podemos dizer que um fator crucial reside no fato de que em nossa cultura parece não existir um canal de comunicação aberto para dizer e ser ouvida quando o assunto é a dor do parto de uma nova mãe. E quando a nova mãe se depara com esta inevitável face “trágica” do ser mãe, logo vem uma nova fantasia: que péssima mãe sou eu por estar sentindo tudo isto.
Então, mulher que se tornou mãe, venho falar para você e para todos que a rodeiam:  procure e tente com todas as suas forças não se sentir culpada por viver algum conflito desta ordem, não torne este momento mais difícil do que ele precisa ser por estar associado ao peso da culpa, do sentir-se uma péssima mãe por viver momentos em que não está sentindo prazer por estar cuidando do seu bebê. Isto é absolutamente normal e eu arriscaria dizer, universal!
O que vejo na prática clínica é que muitas vezes uma grande dificuldade na relação mãe-filho não está assentada na realidade dos conflitos, mas no peso que ele toma por ter sido associado à excessiva culpa vivida pela mãe após as frustrações sentidas diante do choque entre os ideais e a realidade que permearam o início desta relação.
Sei que quando somos acolhidas e podemos compartilhar estes afetos a culpa se tona mais diluída. Por outro lado, muitas vezes  esta culpa pode tomar dimensões e proporções gigantescas e dificultar muito a construção de uma sadia relação entre mãe-filho, dependendo especialmente das histórias pessoais de cada um, e se estender para todos os momentos posteriores desta relação. E se eu quero fazer este assunto circular é também em prol das próprias crianças, pensando na saúde psíquica de suas mães estamos dando oportunidades cada vez melhores de desenvolvimento para elas.
Este processo  (ideais x realidade) pode nos visitar inúmeras vezes, sempre que desejamos algo dentro desta relação e este algo se torna distante da nossa realidade. Não quero com isto dizer que a maternidade é menos bela, menos prazerosa, menos transformadora, menos realizadora… O que se faz urgente de ser colocado é que nenhuma mãe deve deixar que os sentimentos e sensações não tão belos relacionados a maternidade a tire do lugar legítimo de mãe que é só dela e que nenhuma outra seria capaz ocupar diante do seu bebê.  Você é humana e é a partir de você que seu filho(a) irá aprender sobre as verdadeiras belezas e prazeres de se ser humano e também sobre o lado doloroso e difícil, mas a vida não é assim mesmo? Não deixe que o seu ser humano obscureça a relação de legítimo amor que você está construindo com sua filha(o). Porque aprender sobre o que é próprio do humano banhado de amor, mesmo que nem sempre na forma como o idealizamos, é com certeza das mais valiosas aprendizagens que uma criança pode viver.

*mantenho a conjugação na primeira pessoa do plural porque também sou mãe e me incluo na vivência de todo este processo.

Julia Alface

segue o link do post original:

http://www.roteirobabycuritiba.com.br/site/uma-mae-recem-nascida/